Essa foi a pergunta que norteou o bate papo que tivemos a honra de participar com a galera da Liga Voluntária Web para Todos.
Embora já exista bastante informação e até exigências legais, como a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), muitas organizações ainda resistem em colocar acessibilidade no topo da lista de prioridades. No início do mês estivemos em um debate super enriquecedor sobre os desafios para que a acessibilidade alcance seu devido nível de prioridade nas empresas.
O papo foi tão bom, que o tempo voou! É muito bom quando estamos discutindo algo importante com pessoas realmente engajadas. Foi exatamente o que sentimos ao participar da 16ª reunião da Liga Voluntária do Movimento Web para Todos, no início deste mês. Por isso, queremos compartilhar com vocês o que rolou por lá! Bora?
Por que as empresas ainda não priorizam a acessibilidade, principalmente a digital?
Do nosso ponto de vista, há uma combinação de fatores que contribuem para isso:
- Desconhecimento e falta de sensibilização: Apesar de toda a informação disponível (vale um destaque para as campanhas e ações do Movimento Web para Todos), muitas empresas ainda não assumiram essa responsabilidade e acabam não se abrindo para conhecer mais sobre o tema e compreender o impacto positivo da acessibilidade.
- Exigências legais sem fiscalização: A existência de leis que exigem acessibilidade é fundamental, mas as leis precisam ser cumpridas. E se não houver fiscalização, isso não irá acontecer. Sem uma cobrança mais firme, o tema acaba ficando de lado.
- Engajamento da liderança: Se a alta liderança não compra a ideia, dificilmente o tema vai ganhar força. Empresas que têm lideranças com envolvimento pessoal, como familiares, amizades ou são elas próprias pessoas com deficiência, tendem a avançar mais nas suas iniciativas. As demais pessoas precisam entender seu papel e responsabilidade na construção de uma sociedade mais inclusiva e acessível.
Cultura organizacional e mudança social
É difícil falar de acessibilidade sem falar de mudança cultural. A acessibilidade não pode ser só um item na checklist, precisa ser incorporada na cultura das empresas. E isso não acontece da noite para o dia. É fundamental envolver todas as áreas da empresa nesse processo. Recursos Humanos, Diversidade e Sustentabilidade são áreas naturalmente mais sensíveis ao tema, mas, sem o apoio genuíno da liderança e a institucionalização da acessibilidade como um valor da empresa, as ações tendem a perder força quando essas pessoas deixam a empresa.
Direito ao trabalho e direito à acessibilidade
Assim como o direito ao trabalho, a acessibilidade é também um direito fundamental, e não pode ser temporária, ocasional ou inconstante. Quando falamos de trabalho estamos falando de todas etapas, incluindo aqui recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional.
A LBI veda qualquer tipo de discriminação em qualquer uma dessas etapas, e destaca o direito da pessoa à participação e ao acesso a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções, bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelas empresas.
A contradição entre o desejo de ter mais diversidade sem ser acessível
É comum ouvirmos relatos de pessoas que buscam emprego e são surpreendidas com a falta de acessibilidade nos sites de empresas dedicadas à inclusão de pessoas com deficiência. Apesar de promoverem a inclusão, muitas dessas plataformas apresentam barreiras significativas durante o cadastro e o envio de currículos.
Em nosso trabalho de diagnóstico de acessibilidade em empresas, com o Job4All, avaliamos a acessibilidade digital de sites de recrutamento. Além das questões técnicas, também é frequente identificarmos que as empresas utilizam imagens nem um pouco inclusivas, evidenciando, sem perceber, a falta de diversidade na divulgação de oportunidades de emprego.
A importância da fiscalização e do engajamento social
Tivemos ótimas contribuições sobre a necessidade de uma fiscalização mais ativa. Tivemos o exemplo da lei que proíbe fumar em locais fechados: ela só funcionou porque a sociedade abraçou a causa e se tornou uma “fiscal informal”. Esse tipo de pressão social pode fazer a diferença quando falamos de acessibilidade também. A ideia é que pessoas relatem dificuldades com sistemas e serviços, o que pode gerar ações do Ministério Público, que atua em casos de interesse coletivo.
Por outro lado, também é importante reconhecer as boas práticas, para que sirvam de exemplo e inspiração para iniciativas inclusivas e acessíveis.
A acessibilidade no ensino superior
Um ponto interessante que surgiu foi a ideia de incluir acessibilidade como matéria obrigatória nos cursos universitários. Destacamos que isso está na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que menciona a inclusão em conteúdos curriculares, em cursos de nível superior e de educação profissional técnica e tecnológica, de temas relacionados à pessoa com deficiência nos respectivos campos de conhecimento. (Art. 28 – XIV – LBI).
A proposta é que o tema seja integrado ao currículo de cursos variados, como comunicação, arquitetura, e outras áreas. E essa pauta precisa ser levada adiante, e a Liga e outros movimentos, sobretudo com envolvimento de pessoas da área de educação, têm força potencial de contribuir com isso, começando por ações mais simples, como cursos de curta duração, até que a acessibilidade se torne parte do currículo oficial.
Afinal, como convencer a liderança sobre a importância da acessibilidade?
Para convencer a liderança a priorizar a acessibilidade nas empresas, destacamos a necessidade de aumentar a “massa crítica” organizacional, unindo pessoas com interesses semelhantes para formar um grupo forte e colaborativo.
Essa abordagem evita que as pessoas enfrentem as questões de forma solitária, permitindo que, gradualmente, consigam conquistar até mesmo colegas resistentes a se unirem à causa, muitas vezes por constrangimento ao perceberem que estão “do lado errado”.
Embora existam argumentos financeiros a favor da acessibilidade, e existem várias pesquisas que demonstram os benefícios, o foco principal deve ser o benefício social. A acessibilidade não deve ser vista como uma questão de caridade, mas como parte integrante do negócio e da cultura organizacional. Ao tratar a acessibilidade como um aspecto essencial da empresa, será possível corrigir ações passadas e alinhar a organização em torno desse valor fundamental.
Pequenas ações, grandes impactos e a força do coletivo
Uma das grandes reflexões que levamos desse encontro foi sobre o impacto que pequenas ações podem ter. A Liga possui mais de 130 voluntários, cada um pode atuar em sua área e contribuir para criar um efeito cumulativo, disseminando a importância da acessibilidade em suas redes.
A mensagem final que ficou para nós é que, para fazer a acessibilidade acontecer, precisamos não apenas de leis e normas, mas de um verdadeiro movimento social e cultural que valorize a inclusão de forma genuína.
Nosso muito obrigado à Liga Voluntária do Movimento Web para Todos!