Resgatamos o significado no decorrer dos anos e a origem do termo acessibilidade para tentar desvendar porque ele ficou tão associado à arquitetura, urbanismo e rampa.
Desde que começamos a trabalhar com acessibilidade, em meados de 2005, algumas pessoas ficam surpresas quando falamos que nossa formação não é em arquitetura ou engenharia. Isso sempre nos intrigou, e certamente também deve mexer com você que tem clareza de que se trata de um campo de estudo de muitas dimensões e por isso mesmo envolve saberes de diversas áreas de conhecimento.
Isso nos leva ao questionamento do porquê desta associação entre acessibilidade e arquitetura ser tão automática. Afinal de contas, o que leva o senso comum a considerar a acessibilidade como um atributo apenas da arquitetura, do urbanismo e da engenharia?
Para tentar desvendar esse mistério a equipe causadora foi atrás da origem e evolução do significado da palavra em textos disponíveis na internet, no dicionário, definições na legislação, além da própria etimologia da palavra.
Origem da palavra
– Acessibilidade: do latim accessiblitas – “livre acesso, possibilidade de aproximação”.
– Acesso: de accessus em latim – “aproximação, chegada, entrada”.
– Acessível: do latim accessibĭlis – “acessível, lugar ou coisa de que se pode aproximar”
https://houaiss.uol.com.br/corporativo/apps/uol_www/v6-0/html/index.php#18
Definições no dicionário
Substantivo feminino que significa qualidade ou caráter do que é acessível e/ou a facilidade na aproximação, no tratamento ou na aquisição (Houaiss, dicionário de língua portuguesa)
Poder ser alcançado ou obtido facilmente e/ou a qualidade de ser fácil de entender. (Cambridge Dictionary, dicionário de língua inglesa
Definições nas políticas públicas brasileiras
Não identificamos a definição na primeira edição da Norma Brasileira de Acessibilidade (ABNT) de 1985. Ela só aparece a partir da edição de 1994 e evoluiu da seguinte forma:
NBR 9050:1994 – “Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamento urbanos.”
NBR 9050:2020 – “possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado, de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou mobilidade reduzida”
Dentre as principais leis brasileiras, a definição de acessibilidade aparece nas seguintes formas:
– Decreto 3.298/99: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das instalações e equipamentos esportivos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
– Lei 10.098/2000: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
– Lei 13.146/2015: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida;
A evolução do significado no contexto social
Vamos agora à linha do tempo do uso da palavra, especialmente para designar a condição de acesso das pessoas com deficiência. Contamos com o apoio do Romeu Sassaki, um dos maiores pesquisadores sobre o tema, com seu texto “O Conceito de Acessibilidade” (2006), publicado no site Bengala Legal e com o livro “As sete dimensões da acessibilidade” (2019).
Sassaki destaca que inicialmente a expressão utilizada não era “implantação de acessibilidade”, mas “eliminação de barreiras” e tratava-se mais de barreiras arquitetônicas.
– Final da década 40 e década de 50: origem do uso do termo para designar a condição de acesso das pessoas com deficiência com o surgimento dos serviços de reabilitação física e profissional. Constatação da existência de barreiras arquitetônicas nos espaços urbanos, transportes e edifícios que dificultavam a reabilitação.
– Década 60: Algumas universidades americanas iniciaram o trabalho de eliminação de barreiras arquitetônicas nas salas de aula, estacionamentos e demais espaços.
– Década 70: criação do 1º Centro de Vida Independente, em Berkeley, Califórnia (EUA) e ampliação dos debates sobre a eliminação de barreiras arquitetônicas.
– Década 80: O movimento ganhou força com o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência (1981) e vieram grandes campanhas mundiais pela eliminação de barreiras e pelo desenvolvimento de projetos acessíveis. Na segunda metade da década de 80, surgiu o conceito de inclusão contrapondo-se ao de integração.
– Década 90: começou a ficar mais evidente que a acessibilidade beneficia a todas as pessoas e , com o advento da fase da inclusão, hoje entendemos que a acessibilidade não é apenas arquitetônica, pois existem barreiras de vários tipos também em outros contextos que não o do ambiente arquitetônico.
Agora retomamos o nosso questionamento inicial: O que leva o senso comum a considerar a acessibilidade como um atributo apenas da arquitetura, do urbanismo e da engenharia?
A resposta não está nas definições no dicionário e legislação, mas na construção social do significado da palavra, uma vez que as ações realizadas em nome da acessibilidade antigamente tinham foco nas questões arquitetônicas. Mas isso até meados os anos 80. De lá pra cá, muita coisa mudou. A acessibilidade está na arquitetura, mas também na forma que nos expressamos, na maneira como as coisas são feitas, no estabelecimento de regras e normas, nas ferramentas e instrumentos e nas atitudes que temos com as outras pessoas.
A verdade é que o senso comum não segue a mesma velocidade em que os conceitos evoluem, e leva um pouco mais de tempo para assimilar o avanço nos significados. Por isso, é fundamental compartilhar e levar o conhecimento adiante, afinal a compreensão dos conceitos é um ponto-chave para construirmos uma sociedade mais inclusiva e acessível para todas as pessoas.
Compartilhe conosco sua experiência, seus achados e venha debater suas ideias sobre o uso do termo acessibilidade conosco. Indicações de textos, livros, filmes e séries também são super bem-vindas! =)
Um abraço da equipe causadora!
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Conheça também os mitos da acessibilidade em nosso post 1º de abril e as mentiras sobre acessibilidade