Segundo a PNAD Contínua 2022, cerca de 18,6 milhões de pessoas do país (ou 8,9%) têm algum tipo de deficiência. No Censo 2010, o número era próximo a 45 milhões (ou 23,9%). Por que você não deve comparar os dados do Censo com a PNAD?
No último mês de julho foram divulgados dados sobre a população com deficiência no Brasil. São números estimados com base na Pesquisa Nacional por Amostragem em Domicílios Contínua, conhecida como Pnad Contínua, que agora passou a incluir, também, dados sobre deficiência.
A pesquisa estima que a população com deficiência, de 2 anos ou mais, no Brasil é de 18,6 milhões. Isso corresponde a 8,9% da população dessa faixa etária. A pesquisa também identificou dados sobre as características da população, educação e atuação no mercado de trabalho, que traremos em um outro texto.
O número chamou a atenção de muitas pessoas por estar bem aquém dos 45 milhões de pessoas, ou 24% da população que foi apontado pelo Censo de 2010. Segundo o próprio IBGE, responsável pela pesquisa, os dados não são comparáveis entre as pesquisas, pois há diferenças metodológicas. Dentre as diferenças estão mudanças na redação das perguntas, corte etário, domínios funcionais investigados e a adaptação das perguntas para as crianças de 2 a 4 anos de idade.
Mas como muitas pessoas nos perguntaram sobre isso, a curiosidade da equipe causadora ficou aguçada. Por isso resolvemos dar uma olhada nisso. E aí? Também está com a mesma curiosidade?
Nossas fontes foram basicamente o questionário de 2010, as tabelas do SIDRA (que é o sistema de informações do IBGE), matérias de divulgação da agência IBGE Notícias e a apresentação do Pnad. Então vamos entender melhor as diferenças nas metodologias de 2010 e 2022, que podem ter levado a diferença nos números levantados.
Definição de pessoas com deficiência
A Pnad Contínua considerou como pessoa com DEFICIÊNCIA aquela com 2 anos ou mais de idade que respondeu ter muita dificuldade ou não conseguir de modo algum realizar as atividades perguntadas em ao menos um dos quesitos investigados.
As perguntas eram sobre as dificuldades nas atividades funcionais com quatro categorias de respostas que variavam de “Não tem dificuldade” até “Não consegue de modo algum”. Na Pnad contínua 2022 foram consideradas com deficiência somente as pessoas que responderam ter muita dificuldade ou não conseguir de modo algum, diferentemente do Censo 2010 que considerou também quem respondeu ter alguma dificuldade.
Se o mesmo recorte for feito no Censo 2010, o número de pessoas seria de 15,7 milhões de pessoas, o que representaria um total de 8,36% da população total. Do mesmo modo, se a Pnad seguisse o modelo do Censo 2010 e fossem consideradas também as pessoas que responderam ter alguma dificuldade, o número seria bem maior. Portanto, sem desprezar a relevância das demais diferenças, só esse ponto já seria suficiente para justificar essa enorme diferença entre os números.
Vale lembrar que os dados do Censo 2022 estão sendo divulgados gradativamente e as informações sobre a população com deficiência ainda não foram apresentadas. Segundo a programação do IBGE, os resultados serão divulgados entre os anos de 2022 e 2025.
Domínios funcionais investigados
Na Pnad foram investigados 8 domínios funcionais como andar ou subir degraus, enxergar, lembrar-se das coisas ou se concentrar, levantar uma garrafa com dois litros de água, pegar objetos pequenos ou abrir e fechar recipientes, ouvir, realizar cuidados pessoais e se comunicar. Enquanto no Censo 2010 foram somente 4 domínios. Além disso, também houveram mudanças na forma como as perguntas foram feitas para as pessoas.
A dificuldade para andar ou subir degraus (3,4%) foi a mais frequente na população brasileira segundo a a PNAD, enquanto no Censo 2010 o grupo que respondeu grande dificuldade de enxergar somado com não consegue enxergar de modo algum se destacou dos demais (3,4%).
Outros pontos
Dentre as outras diferenças mencionadas na apresentação da pesquisa, estão também o corte etário e a adaptação das perguntas para as crianças de 2 a 4 anos de idade, que seguiram como referência o Módulo de Funcionalidade Infantil do The Washington Group/Unicef.
Dentre as 18,6 milhões de pessoas consideradas pela Pnad Contínua estão apenas aquelas com 2 anos ou mais de idade, enquanto o Censo de 2010 considerou todas as faixas etárias.
Conclusão
Tire as suas conclusões, mas tenha cuidado com interpretações enviesadas.
É importante reconhecer que o fato da PNAD Contínua reunir e disponibilizar dados sobre pessoas com deficiência pela primeira vez é um grande avanço. Especialmente por ser uma pesquisa contínua que vai possibilitar acompanhar, em um tempo menor, os efeitos das políticas de inclusão para reduzir as desigualdades entre as parcelas da população.
Assim como nas políticas públicas, a caracterização de deficiência para fins de pesquisa não é um desafio simples. A Pnad traz dados importantes, e também preocupantes, que devem ser acompanhados de perto sobre educação e mercado de trabalho. Os dados são recentes, precisam ser assimilados e analisados com cautela para que possamos avançar na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, e não o contrário.
Apesar do próprio IBGE reconhecer que não há comparabilidade entre as pesquisas, é importante esclarecer as diferenças entre elas, para que as pessoas não achem equivocadamente que o número de pessoas com deficiência simplesmente diminuiu.
Precisamos estar atentos e conscientes dessas diferenças e o impacto delas, para que o desconhecimento não estimule qualquer tipo de movimentação contrária à inclusão e que provoquem retrocessos nas políticas públicas já consolidadas, como a Lei de Cotas, a Lei Brasileira de Inclusão, entre outras.
A sociedade não pode ignorar sua responsabilidade com a inclusão, que é papel de todas as pessoas. E agora? Ficou mais clara a diferença entre os dados das pesquisas?
Continue acompanhando a Santa Causa, que em breve postaremos mais sobre a Pnad, estatísticas e outras pesquisas sobre pessoas com deficiência, diversidade e inclusão.